A Trajetória de Mio Vacite e a Fundação da União Cigana do Brasil
No ano de 1986, Mio Vacite foi convidado, juntamente com seu grupo musical, para se apresentar no lançamento do livro “O Povo Cigano”, de Cristina da Costa Pereira, realizado no Paço Imperial – Praça XV, no Rio de Janeiro.
Em 1987, durante um encontro de descendentes ciganos, ciganólogos e antropólogos, Mio Vacite foi convidado pelas seguintes autoridades em ciganologia: Dr. Oswaldo Macedo (renomado neurologista), Antônio Guerreiro (maestro da PUC), Ani Ragari (advogada), Liane Duarte (psicóloga do estado) e a escritora Cristina da Costa Pereira, para presidir e liderar o Centro de Estudos Ciganos (CEC), o primeiro movimento cultural do gênero no Brasil e, consequentemente, na América Latina.
Esse evento, que teve a duração de uma semana, foi realizado na Casa de Cultura Rui Barbosa, onde ocorreram diversas palestras, exposição de artesanato cigano e apresentações do grupo Encanto Cigano, liderado por Mio Vacite. É importante registrar que essa foi a primeira apresentação oficial dos ciganos após o período do Brasil Colonial, época em que foram oficialmente declarados como os “Festeiros da Corte”. A realização desse evento fez com que Mio Vacite recebesse uma carta do então presidente da República, José Sarney, parabenizando-o pela iniciativa.
Em 1988, Mio Vacite ministrou palestras e realizou shows ciganos no Espaço Cultural Sérgio Porto, por ocasião do relançamento da segunda edição do livro “O Povo Cigano”. Nesse mesmo ano, em 29 de agosto, a convite da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO), por meio do Centro de Ciências Humanas e da Escola de Museologia, levou mais de cem peças de seu acervo cultural e montou, durante uma semana, um minimuseu. Na ocasião, também ministrou palestras acompanhadas de apresentações de música e dança cigana, com o objetivo de divulgar a Cultura Cigana.
Em 1989, Mio Vacite participou da semana cultural da Mostra Cigana, realizada no Centro Cultural do Banco do Brasil. O mestre Aurélio Buarque de Holanda, num gesto de dignidade e demonstrando profundo respeito ao Código dos Direitos Humanos, atendeu ao pedido de Mio Vacite após diversos protestos em programas de televisão e reportagens. A solicitação era para que se retirasse do dicionário o significado pejorativo que classificava a palavra “cigano” como “velhaco, trapaceiro e comerciante de objetos subtraídos”. Para nossa surpresa, em 1988, ao se verificar a terceira edição do dicionário, essas expressões foram alteradas.
Anteriormente, o verbete apresentava:
2ª edição – CIGANO: s.m. Indivíduo de um povo nômade, provavelmente originário da Índia e emigrado em grande parte para a Europa Central, de onde se disseminou. Povo com código ético próprio, que se dedica à música, vive de artesanato, de ler a sorte, barganhar cavalos, etc.
Sin.: boêmio, guitano.
Fig.: Indivíduo arredio, de vida incerta.
Fig.: Indivíduo trapaceiro, velhaco.
Fig.: Vendedor ambulante.
Um dos carneiros de guia.
Adj.: Errante, nômade, ladino, astuto, trapaceiro.
Após as retificações em 1988 – 2ª edição – 6ª impressão, o verbete passou a ser:
CIGANO: s.m. Indivíduo de um povo nômade, que tem um código ético próprio, vive de artesanato, de ler a sorte e se dedica à música; homem de vida incerta.
Entre 1988 e 1990, graças ao trabalho contínuo de divulgação por meio de shows e exposições promovidas por Mio Vacite e seu grupo Encanto Cigano, foi conquistado um espaço exclusivo para acampamento de ciganos no município de Itaguaí, no estado do Rio de Janeiro — o primeiro terreno doado a ciganos no Brasil e, por consequência, na América Latina, cedido pelo então prefeito Abeilard Goulart.
Em meados de 1990, antes de se desligar da presidência do Centro de Estudos Ciganos, Mio Vacite solicitou uma sede para o CEC, a qual foi doada no período em que já não exercia mais o cargo. No entanto, por questões internas, o Centro de Estudos Ciganos não demonstrou interesse em aceitar a doação, fazendo com que o imóvel retornasse ao Estado. Um ano depois, o CEC não conseguiu mais se manter ativo, sendo sua dissolução inevitável.
Devido à divergência de opiniões e por não desejar apenas estudar a história cigana, Mio Vacite desligou-se do CEC e, naquele mesmo ano, fundou a União Cigana do Brasil, com a proposta de resgatar, moralizar e preservar a cultura cigana, promovendo o esclarecimento sobre suas tradições e revertendo a imagem preconceituosa advinda da desinformação, que tanto prejudica a integração dos ciganos com as diversas sociedades.
A União Cigana do Brasil é uma entidade reconhecida como representante da cultura cigana no país pela Internacional Roma Federation, INC, filiada à Organização das Nações Unidas (ONU).
Desde sua fundação, a União Cigana do Brasil vem lutando por um desenvolvimento sustentável das famílias ciganas, em conformidade com suas especificidades históricas e contemporâneas. Busca-se garantir o direito à titulação e permanência na terra, à documentação básica, alimentação, saúde, esporte, lazer, moradia digna, trabalho, acesso à infraestrutura e à previdência social, entre outras políticas públicas voltadas à população brasileira.
A maior prova dessa luta foi o reconhecimento e apoio do Parlamento da Terra e da Associação Protetora do Folclore Brasileiro durante o evento internacional ECO-92, realizado no Rio de Janeiro. Na ocasião, o grupo artístico e musical Mio Vacite e Encanto Cigano foi convidado a participar, representando a cultura cigana por meio da música. Esse convite se deu por meio de uma carta do então ministro da Justiça, Nelson Jobim, indicando oficialmente a União Cigana do Brasil para o evento.
Com esse trabalho pioneiro, os ciganos passaram a ser mais respeitados e reconhecidos, não apenas por sua tradição musical, mas também por sua identidade étnica, em condições de igualdade com os demais povos que habitam o território brasileiro.
Nesta trajetória, desenha-se uma equação marcada por desafios e ousadia, voltada à promoção da igualdade racial, a partir de ações políticas e administrativas que visam, coletivamente, à inclusão social. Com isso, constrói-se o novo e gera-se coesão em torno de uma agenda nacional capaz de estabelecer acordos em prol da cidadania, numa caminhada longa e contínua.
Estamos sempre abertos a entrevistas e palestras, com o intuito de compartilhar com a comunidade o conhecimento sobre nossa etnia. Difundimos nossa história por meio de encontros que promovem o entendimento e o respeito entre os mais diversos grupos sociais. Atuamos de forma aberta, não apenas em benefício dos ciganos e seus descendentes, mas também em favor de todos os grupos étnicos das múltiplas sociedades.